Desenho artístico: Zinedine Saint-Saëns
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CANTOS DE LOUVOR
À BAHIA
Este
livro é um precioso inventário lírico de uma viagem
de paixão e descoberta. O poeta Alain Saint-Saëns
visitou a cidade de Salvador da Bahia, primeira
capital do Brasil, e se encantou com suas cores,
histórias, poetas, personagens, mitos e mistérios.
A cidade
foi fundada pelo militar e político português Tomé
de Sousa, em 29 de março de 1549, por ordem do rei
D. João III, soberano de Portugal. Foi concebida e
planejada para ser a capital da colônia brasileira
por 214 anos, entre 1549 e 1763. E seu fundador
implantou e exerceu o Governo Geral do Brasil
Colônia até 1553. O local foi escolhido porque a
Baía de Todos-os-Santos representava uma área
estratégica para os navegadores portugueses, sendo
já o porto onde embarcava boa parte do pau-brasil
extraído na região e o açúcar produzido no Recôncavo
Baiano e na Zona da Mata do Nordeste. Do porto de
Salvador partiam também os navios que seguiam para o
Oriente levando os produtos da Colônia brasileira.
Alain
Saint-Saëns também chegou a Salvador singrando as
terras e as águas do oceano, mas pelo ar. Desde logo
lançou seu olhar sobre a Baía de Todos-os-Santos, os
casarios e as colinas, as ruas e avenidas, por onde
tocaria os pés nas linhas dos mapas e nos veios da
história, traços reunidos em quase cinco séculos de
vida e experiência. Como poeta viajante e atento às
projeções do olhar e do sentir, sua percepção lírica
tocou a cidade, as paisagens, os lugares, as
pessoas, os significados. Essa poesia do encontro
mútuo se consumou em 16 poemas que marcam as suas
leituras, as andanças, os registros, as imagens e as
memórias. Como Italo Calvino e Ferreira Gullar, ele
também relata a cidades invisível ou inventada, mas
não como feixes de relações prosaicas, e sim como
cintilações que se insinuam e se revelam ao poeta,
com as prodigiosas e criativas epifanias do olhar.
Desde a
modernidade intuída e impulsionada por Charles
Baudelaire (1821-1867) em meados do século 19, a
poesia rompeu o casulo de sua interioridade,
abandonou o refúgio da alma, do coração e da casa e
atirou-se à vida comum das ruas e avenidas. Sua musa
passa ser a cidade e suas paisagens insólitas e
dinâmicas, em constante transformação. Consciente de
seu novo papel, o poeta passou a deambular pelos
logradouros públicos para se imiscuir na multidão,
ascultar os movimentos do cotidiano, e até viajar
aos lugares distantes, entoando o canto das
vivências presentes e das experiências renovadoras.
Assim se torna um ser em constante viagem, desde sua
pátria até as terras estrangeiras, levando seus
saberes e conhecendo outras culturas e idiomas, em
busca de uma poesia culturalmente múltipla e
dialógica.
Baudelaire
convocou o poeta para captar a poesia oriunda das
sugestões das ruas, mas também o lirismo das
paisagens distantes, exóticas e deslumbrantes. Eis o
chamado: ‘poetas, viajai!’ É isso que o poeta
francês propõe, visceralmente, no seu magnífico
poema ‘L’invitation au voyage’, no qual destaca a
necessidade e o prazer de conhecer outros lugares.
De fato, os poetas adotaram a viagem como fator de
motivação lírica. Blaise Cendrars percorreu os
caminhos de ferro europeus, a bordo do trem
transiberiano e registrou num longo poema a sua
viagem em estado de vertigem. Guillaume Apollinaire
atravessou as ruas de Paris, e inscreveu os seus
detalhes no célebre poema ‘Zone’. Fernando Pessoa
escreveu o poema ‘Lisbon Revisited’ sob a
perspectiva de quem retorna à pátria com o olhar
transformado pela experiência da viagem. O poeta
brasileiro João Cabral de Melo Neto traduziu no
canto ‘Sevilha andando’ os registros que mapeiam seu
modo de vivenciar e perceber os movimentos e as
formas da cidade espanhola com um olhar ao mesmo
tempo estrangeiro e familiar.
Na linha
dessa tradição da viagem, Alain Saint-Saëns chegou a
Salvador com o olhar atento à história, à geografia,
aos personagens do passado e do presente, captando
bem a atmosfera da cidade litorânea, cercada por
réstias de matas, coqueiros, dunas e areais,
envolvida pelo manto azul do Oceano Atlântico. Alain
Saint-Saëns seguiu os passos de outros poetas
estrangeiros que fixaram na poesia um modo especial
de estabelecer intimidade com a cidade
soteropolitana. Antes dele, o poeta martinicano Aimé
Cesaire (1913-2008) também visitou a cidade e
escreveu o belo poema ‘La Baie de Tous les Saints’,
no qual proclama sua admiração e seu encanto diante
da paisagem marítima de Salvador.
Alain
Saint-Saëns entra em sintonia com Salvador através
do poema ‘A Bahia de todas as gaivotas’, no qual
remonta às suas origens, destacando personagens
marcantes, como Diogo Álvares Correia, o Caramuru,
náufrago que logrou nadar até a terra, sendo
resgatado e acolhido pelos índios. Ao casar-se com a
índia Catarina Paraguaçu, ganhou prestígio e
privilégios na terra, sendo o fundador do aldeamento
que serviu de base para a localização da cidade
colonial. O mesmo poema, no entanto, não se limita
aos vultos históricos de outrora, pois logo nomeia
poetas atuais, em cujos poemas a cidade se inscreve
e se reinventa como texto literário. Seguem-se as
homenagens aos poetas, como o grande Castro Alves
(1847-1871), romântico e abolicionista que combateu
a escravidão com sua poesia inspirada e vigorosa. O
poeta dos escravos deixou páginas memoráveis na
poesia brasileira, como ‘O navio negreiro’, ‘Vozes
d’África’ e ‘Os escravos’. Outro poema faz uma
saudação ao talento extraordinário da poeta Myriam
Fraga (1937-2016) que recriou a saga da cidade
histórica nos versos de seu magnífico livro
Sesmaria (1969). Entre as referências aos fatos
e aos vultos e mitos da história e da cultura,
destaca-se o poema em homenagem ao casal Jorge Amado
e Zélia Gattai, ‘Os velhos amantes’, inspirado a
partir da escultura que os representa sentados
juntos, na praça, com o cão Fadul ao lado. O cão de
estimação os acompanhava nas caminhadas e passeios
pelo bairro, onde viveram e deixaram um precioso
legado literário. Entre as instituições, um poema,
‘Cadeira 41’, exalta a Academia de Letras da Bahia
como o panteão das vozes que traçam e cantam a
cidade e suas formas, desde as gerações mais antigas
até as atuais, comprometidas com a memória e a
renovação da cidade e de sua cultura forjada na
miscigenação de suas raízes ameríndias, africanas e
ibéricas.
Alain
Saint-Saëns declara sua intimidade poética para com a
cidade do Salvador, trilhando seus recortes à
beira-mar, até singrar pelas águas da Baía até as
ilhas míticas que delimitam suas paisagens
paradisíacas. Ele enfrentou o desafio de escrever
estes poemas diretamente em língua portuguesa, sem
receio de impregnar em seus versos as marcas de seu
sotaque estrangeiro e pessoal. Com isso ele cria seu
próprio estilo em português, sem imitar a dicção dos
poetas brasileiros, porque deseja ser original e
assumir o seu modo peculiar de escolher as palavras
e exprimir as imagens. Como afirma o próprio autor,
este livro é ''um hino laudatório em honra da Bahia,
‘cidade de mar, sol e sal’, ‘paraíso da gaivota
cheia''. Assim são estes poemas que registram a
experiência de um poeta que lê e vive a cidade, e
adentra seus caminhos e trilhas para compartilhar
seu corpo na poesia e no coração.
Aleilton Fonseca
Escritor, Membro da Academia
de Letras da Bahia
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INTRODUÇÃO
Este
livro de poemas, A Bahia de todas as gaivotas,
é, de certa maneira, a minha visão pessoal de São
Salvador da Bahia de Todos os Santos. Esta deve à
cidade de Sonia Coutinho no livro, Os seios de
Pandora,
à cidade da etnologista Ruth Landes no livro, Cidade
das mulheres,
à cidade de Edison de Souza Carneiro no livro, Negros
bantos e no artigo, Candomblés da Bahia,
e à cidade da poetisa Myriam Fraga na poesia, ‘A
cidade’ no livro Sesmaria,
a Myriam que cantei neste livro no poema a ela
dedicado, ‘Saudação à Calíope baiana’.
A cidade é, para mim, a Bahia da poetisa Margarida
Maria de Souza, nascida em Serrinha e residente na
cidade de Alagoinhas, no seu poema largo e
carinhoso, ‘Bahia de perfil’.
É a Bahia ‘de todos os nomes’ do poeta José Inácio
Viera de Melo no seu livro de poemas, O galope de
Ulisses.
É a Bahia ‘sem farofa e sem dendê’ dos contistas
Aramis Ribeiro Costa, Jean Wyllys e Carlos Ribeiro.
Além disso, a cidade é a Bahia dos heróis da
Conjuração Baiana, Manuel, Luis, João e Lucas,
cujas memórias já não
malditas mais bem para sempre benditas, eu cantei no
poema, ‘As três cores’.
É a cidade de Eugênia Anna Santos ‘Mãe Aninha’,
fundadora do terreiro de Candomblé Ilê Axé Opô
Afonjá,
a cidade de Mestre Bimba, o criador da capoeira
regional,
e a cidade de Mãe Stella de Oxossi, ‘alma
brasileira’ no livro, Meu tempo é agora,
Odé Kaiodê que cantei no poema, ‘Saudação
ao caçador de alegria’.
É a Bahia de Edivaldo Machado Boaventura no seu
livro, Gente da Bahia, com prefácio de Jorge
Amado.
Salvador é, sem dúvida, a cidade dos tão queridos
imortais Jorge Amado e Zélia Gattai.
Jorge Amado a apresentou no livro dele, Bahia de
Todos os Santos, com um amor grande e um
respeito profundo.
Ao olhar a escultura do casal pelo artista baiano
Tatti Moreno na praça de Santana
no bairro Rio Vermelho, perto da igreja Sant’Ana,
eu imaginei a cena diante os meus olhos no poema a
Jorge e Zélia dedicado, ‘Os velhos amantes’.
Contudo, a
Bahia é também agora a cidade de Zinedín, o meu
filho, que se apossou dela, acariciando a estátua em
bronze de Fadul, o cachorrinho de Zélia e Jorge,
‘porque dá sorte’; dando de comer de tarde aos micos
brincalhões com fome na pousada Papaya Verde, ‘do
paraíso a sede’, no bairro Barra; rezando diante a
imagem da Irmã Dulce dos Pobres na igreja da Praia
do Forte; correndo com a mãe dele, a minha esposa
Lourdes, na praia do Farol da Barra; admirando de
fim de tarde comigo sentados os dois na areia de
frente para o mar o vôo majestoso e audaz das
gaivotas tão queridas.
Este livro, ao fim e ao cabo, é um hino laudatório
em honra da Bahia, ‘cidade de mar, sol e sal’,
‘paraíso da gaivota
cheia’, como bem o sugeriu o pintor talentoso para a
capa do livro com o seu desenho emblemático.
Alain Saint-Saëns
Membro Correspondente
da Academia de
Letras da Bahia
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A BAHIA DE TODAS AS GAIVOTAS
A Epifanio e Rafael.
Pelos
santos todos nomeada,
Do Salvador renomada,
Bela história de outrora,
O Caramuru corajoso,
À Catarina o esposo
Deu batismo de fé na aurora.
Arraial de Pereira Coutinho,
Bahia, antiga Roma negra,
Dos escravos o pelourinho,
Hoje retiro de paz louvado
No seu encrave ressalvado,
Das raças a união consagra.
Castro Alves poeta condoreiro,
No alto mar o navio negreiro,
Amado e os capitães da areia,
Aleilton, Luis Antônio e Myriam Fraga,
Bahia, paraíso da gaivota cheia,
Carregadas chalanas alberga.
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OS VELHOS
AMANTES
A Jorge Amado e Zélia Gattai.
O
homem estava cansadinho,
Duas horas andaram com o cachorrinho.
Escolheu um banco de frente para o mar,
Convidou a esposa ao lado se sentar.
Até o nariz subia do oceano o néctar,
As gaivotas volteavam querendo os mimar.
A velha se calou, respeitando do velho
O silêncio interior, duma vida o espelho.
Tiveram compartilhado da Bahia o amor,
Dos marinheiros a Iemanjá o temor.
Quando disse, ‘É doce morrer no mar, Lívia,’
Ela só respondeu, ‘Guma, eu da mãe o
ouvia.’
Com a noite o ar
ficou mais frio,
A mulher tremeu com calafrio.
Emocionado lhe tomou a mão
E lhe mirou com a paixão dum irmão
No exílio, na luta e na pesquisa.
Ela o cão acariciou: ‘Fadul, já pra casa!’.
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NA PRAIA DO
FLAMENGO
A Fernando Jacques de Magalhães.
Encanta
as bronzeadas garotas
O vôo leve das travessas gaivotas.
Das piruetas aplaudem a elegância
E do ar invejam a dominância.
Uma ave, numa queda livre dantesca,
As agradece com uma titica fresca.
Uns jogadores numa roda de capoeira,
De Mestre Bimba nobres herdeiros,
Na música de berimbau fazem acrobacia.
Floreios, axé e perfeita bananeira
Param os voleibolistas e outros barqueiros,
Maravilhados todos pela ritmada audácia.
Baixo um sol quente e cegante,
Balançam o sono do turista paraguaio
Das ondas do mar o barulho lancinante,
Ao longe o alarido das sirenas dos barcos.
Nem sequer o desperta o grito do papagaio
Dum jovem vendedor de mariscos. |
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A VIAGEM ÀS
ILHAS
A Rosana e Aleilton.
O
barco no mar avançando
Com fumaça de motor e desejo praiano,
A música doce na minha orelha
Do sax soprano da holandesa velha
No ritmo trepidante do samba baiano,
E Zinedín dançando, dançando.
A ermida para o alto mar mirando,
Com a benção clemente dum Deus pertinho
Sobre o amor de duas lésbicas góticas,
Gritos de alegria das famílias estáticas,
Pranchas de surf e pedalinho,
E Zinedín nadando, nadando.
De Vinicius de Morães o refúgio
lindo,
Com João Ubaldo Ribeiro, filho ilustre da ilha,
Edison, o guia turístico tão divertido,
Na volta à Bahia Aleilton poeta dormido,
Rosana sentada, do sol poente a luz vermelha,
E Zinedín rindo, rindo. |
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ALAIN SAINT-SAËNS, A
SUA ESPOSA LOURDES
E O SEU FILHO ZINEDÍN |
ALEILTON
FONSECA E ALAIN SAINT-SAËNS |
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ALAIN SAINT-SAËNS
COM LOURDES E
ZINEDÍN |
MEMBRO CORRESPONDENTE DA ACADEMIA DE LETRAS |
PAPAYA VERDE
A Alexandra.
Na
rua do engenheiro Oliveira,
Perto do mar, Barra o bairro,
Com portão discreto de ferro,
Fica a pousada numa verdadeira
Selva em miniatura escondida,
Oásis de verdura no barulho perdida.
Quase em caracol a
escada abrupta
Até o último quarto elevado,
Palácio simples do viajante afortunado,
A mãe chegada na janela aberta,
O pai e o filho debruçados na varanda,
Mirando do oceano a repetida onda.
O café da manhã no
soalheiro,
Banquete luxuoso de doces e frutas,
Com os micos saltadores e piadistas
Procurando escapar o turista bagunceiro,
A sesta da tarde nas camas de rede,
Pousada Papaya Verde, do paraíso a sede. |
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POUSADA PAPAYA VERDE: LOURDES E ZINEDÍN
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Alain Saint-Saëns
é poeta, dramaturgo, romancista, crítico literario e tradutor.
Como poeta ele tem publicado recentemente Cantos
paraguayos. Poemas de libertad (2009); France,
terre lointaine. Poèmes de l'errance (2011); Curuguaty.
Poema lírico (2012);Infancias
bajo los lapachos (2014); Un
coin de France
(2016); e
El Banquete de Tonatiuh. Poema lírico (2017).
Como crítico literario da poesia ele tem publicado El
trébol de cuatro hojas. Poetas paraguayos
(2017)
sobre os poetas Jacobo Rauskin, Renée Ferrer, Francisco Pérez
Maricevich e Rubén Bareiro Saguier; e Paladín
de la libertad (2015;
reedição
europeia 2021)
sobre poetas do Novo Cancioneiro paraguaio. Ele tem
traduzido do espanhol para o francês com um Prefácio o livro de
poemas
Ignominia da
poeta paraguaia Renée Ferrer (2017); y do português para o
espanhol com um Prefácio o livro de poemas Um
rio nos olhos do
poeta brasileiro Aleilton Fonseca (2013; reedição
europeia 2021). Alain Saint-Saëns está
terminando a
tradução
para o francês da obra poética completa do poeta paraguaio Rubén
Bareiro Saguier que sairá para o aniversário da morte do
poeta no mês de março 2022; e a
tradução
do português para o francês del poemario Sesmaria da
poeta brasileira Myriam Fraga que sairá para o
aniversário da morte da poeta no mês de fevereiro 2022.
Ele co-editou com o poeta uruguaio Wilson Javier Cardozo uma
antologia poética binacional, Poesía
de los países de Guay (2018).
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